20050930

Ainda em setembro...

na minha rua, as janelas se abrem sempre às 8.
Fecham-se as 9.
E só sei das coisas que me importam um pouco.
As calçadas respingadas de tinta azul, foram repintadas. De azul.
Um blazer foi levado pelo senhor de óculos largos ao tintureiro. Ele não levava muito dinheiro.
As crianças vestidas de capa amarela brincaram de amarelinha, no beco onde um cachorro bebia poça de chuva.
Um rapaz novinho foi surpreendido pelos pais gemendo ao telefone, não sabiam eles que do outro lado, quem lhe falava era um homem.

Na minha rua, tem mulheres que experimentam.
Saíram todas cintilantes , vestidas em lantejoulas e um pouco de audácia.
A menina Rosa saiu vestida de vermelho. Foi à aula de francês.
O casal enamorado se desfez. Isso ela lhe avisou por escrito.
Um casal desavisado se fez.
E um trio desavergonhado, acordou pelado.

Na minha rua, o vento esqueceu que era primavera .
Friamente veio gritando pelos cantos.
A alma de uma casa velha saiu desmoronando-se aos prantos.
O padeiro como sempre, chegou ao trabalho no horário costumeiro. Atendeu o bancário por primeiro e revelou-lhe um segredo.
A viuva dormiu com um velho chorinho ao lado, sem saber que este lhe seria o derradeiro, e não levantou para tomar o leite fresco, que havia sido colocado em sua porta, logo cedo pelo leiteiro.

Na minha rua, existem os anjos que nos rezam para finalizar os dias.
E em um dia frio, só o silêncio saiu para trabalhar.
Podia-se ver o tempo que levou.

20050915

pas de deux

para Monsier R.S.

Eu vou te arrastar, vou te agarrar, nem vou te explicar
que quem não sabe se balança
e quem não viu perdeu a dança
eu quero um top hat, um fox trote um balancê
eu e você num pas de deux
E se o teu sapato me pisar
se o salão desaprovar
vai vir à tona
eu vou gritar, eu vou gritar, eu vou gritar
o que eu só quero, e com você
Vamos dançar na lona !
Vamos dançar na lama !
Vamos dançar no meio da rua !
Qualquer passante vai entender
no asfalto eu sei
o teu pisante, vai amolecer
vai ter que amolecer !
Eu e você num pas de deux
Eu quero um top hat, um fox trote um balancê
eu e você num pas de deux

20050907

sambado descompasso

Teu carnaval me pregou uma peça
Me esbaldei, me perdi à beça
nesse teu baile eu não vou mais
eu não vou mais
E agora veja só
Vê e não me peça
De coração me emblemei
de gole em gole, embarquei num pileque desses
salão à fora desconcertei
assim se perde a calma
compasso, exatidão
desafina todo e qualquer violão
Nesse teu baile eu não vou mais
eu não vou mais
E agora veja só
Vê e se despeça
Não se escancara assim um cidadão
nú em meio à multidão
onde tudo é fantasia
são mascaradas as alegrias
onde se ama só a ilusão
a dor embebeda em solidão
Mas que confusão!
Nesse teu baile eu não vou mais
eu não vou mais
nesse teu baile eu não vou não