20070504

carta de Outono

Para amiga M.



Já não sei mais escrever meu bem. Minhas palavras estão ficando sem fluxo.
Não as sinto mais torneadas por boas frases, e não sei escolher os temas. Tudo me foge ao controle. Tudo parece longínquo e abstrato. E me pergunto sempre que sento e olho o teclado por cima, impiedoso: porque não fotografar as coisas, e deixar as sensações materializadas numa imagem, contrariando escrever? E me vem um branco. Um ponto. Um incorrigível jeito de escrever, viciado e pelo qual me sinto farto. Será que essa minha coisa com a escrita não vai amadurecer nunca?
O fim dessa década vem chegando. Não sei porque. Mas isso não me sai da cabeça. E as vezes isso me lembra um pouco de você, babe. O que a gente chama de juventude, a minha, está se deixando levar nesses anos de começo de século. Te conheci bem no começo, não foi? De um jeito um pouco tosco mas bonito, essa coisa de escrever que me apresentou pra você.
Reli um texto seu dia desses. Uma lista na verdade, publicada num livro. E por sinal, tenho lido todas as suas indicações literárias. Procuro por esses livros sempre que percebo que é chegada a hora de acolher à mim mesmo. Nas horas em que me sinto apequenhado pela boca do mundo. E essa boca é tão devoradora. Essas horas têm sido muito frequentes e tão inexactas. Que remédio. Então isso está sendo bom. Me sinto convergindo pra algum lugar onde estamos juntos. E onde somos do tamanho exato de nossas almas. Nem maiores e nem amesquinhados.
Mas ler esses livros todos, têm sido uma baita duma provocação.
Estou esperando a noite toda para escrever alguma coisa. Alias, esperei por toda a semana pra que algo surgisse como um clarão que me cativasse ou me atemorizasse ao menos, a ponto de sentir que meus dedos palpitariam sem fraquejar, destemidos teclado afora, como se desbravassem as matas, matassem o minotaurus, ou coisa que o valha.
Fiquei toda a semana na espera. Entrando no malfadado blogger. Colecionando motivos. Variando cores, brincando de nomes, estilos. Ensaiando mais a espera do que o que viria dela. Mas isso, porque é "disso" que chamamos quando não sabemos o nome. Isso não veio. Me perdi antes mesmo de chegar no labirinto.
Eu já devia ter parado de esperar Godot, há muito tempo, não é ? Ai, que saudade me deu, babe.
Há um tempo, quando me faltavam sono e motivação, eu sentava sempre à beirada das tuas letras . Acho que para guardar um pouquinho das tuas preciosidades comigo.
Agora, quando me faltarem os motivos, vou tentar agrupar umas palavras, essas minhas inimigas fugidias. Assim, até a Primavera, quem sabe não fisgo uma jóia como retribuição?


Com saudades,


T.

1 comentário:

Anónimo disse...

ó...como eu demorei pra entrar aqui e ler! sempre me derreto com cartas, romantique, esse meu (nosso) mal do século retrasado. um salve ao guarda-chuva vermelho que me fez procurar e um abraço agarrado procê.